sábado, 5 de março de 2011

Táubua de tiro ao álvaro (ou Cuidado, vocês estão para serem ultracorrigidos)

O exemplo mais conhecido do fenômeno linguístico chamado ultracorreção é o adonirânico “táubua de tiro ao álvaro”, pérola criada a partir desse interessante processo psicolinguístico. O racicínio é o seguinte: “se o certo é ‘xícara’, mas o povo fala ‘xicra’, se o certo é árvore, mas o povo fala ‘arvre’, então, da mesma forma, o certo é ‘álvaro’, o povo falaalvoporque come indevidamente a vogal da penúltima sílaba”.

Lembro disso porque agora mesmo vi na coluna AUTOCRÍTICA, do Globo, que evito ler prá não começar o dia me indignando, a ultracorreção de uma frase perfeita:

“...querem ver logo decididos processos que aguardavam a nomeação de Fux para ser julgados.” Melhorpara serem julgados”.

Melhor pra quem, cara? Pálida!

Não sei se é porque li desde criancinha (principalmente o nazista Monteiro Lobato), mas construções como “para serem”, “para fazerem”, “para participarem” doem nos meus ouvidos.

Sou surda pra música, mas, de raiva, parece que me tornei ultrassensível às palavras e, definitivamente, infinitivo conjugado sem necessidade me irrita.

Bem
, se a pessoa acha lindo umEles foram convidados para comparecerem, acompanharem, participarem”, bom prá ela. Mas que ninguém venha me dizer que devo acharmelhorenfiarem” desnecessariamente no infinitivo.

Prá não entrarmuito – no mérito: se o primeiro verbo foi pro plural, o infinitivo simplesmente não precisa ir também, ao contrário do que diz a regra de “concordância” evocada na coluna do jornal de hoje.


Lembro de ter perdido pontos em LQAs, LQEs, LQIs –– prá quem não sabe o que é, melhor nem saber –– e do trabalho queexplicar isso toda vez nos formulários para... reganhar o ponto perdido.

Semana passada um amigo tradutor me pediu sugestão exatamente sobre o mesmo problema: como dizer pros que acham lindo um infinitivo ememque eles não devem ultracorrigir quem não acha para não “darem” trabalho desnecessário, nem “prejudicarem”, nem "irritarem" os coleguinhas?

Como
todo mundo acredita mais no que vem escrito em papel, cito a observação final sobre esse assunto no Manual de Redação e estilo do Estado de São Paulo, da Editora Moderna:

Em caso de dúvida, siga este conselho do gramático Napoleão Mendes de Almeida: ‘Devemos limitar a flexão do infinitivo aos casos de real necessidade de identificação do seu sujeito. Não verificada essa necessidade, deixemos intacto o infinitivo’.” (p.146)

Então, na hora de convencer quem quer o "em", sugiro citar Napoleão. Duvido que algum controlador de qualidade duvide do que disse Napoleão.