sexta-feira, 20 de maio de 2011

Onde você guarda sua língua?

Estava eu hoje no transport, coisa que não me transporta prá lugar nenhum, tentando pelo menos endurecer algumas celulites, quando um amigo veio me “contar” sobre o livro da professora que diz que não tem certo nem errado e que cada um pode falar como quiser... Ah, não, até ali?


Como se trata de assunto de linguista, sociolinguista, dialetologista, etc., quem divulgou a “notícia” poderia pelo menos ter pedido ajuda aos universitários. Fiquei pensando nos resumos das pesquisas da Nature que leio no jornal de vez em quando e senti medo do que andam dizendo que os especialistas dizem.


Dizer que criança não pode ouvir nem discutir sobre variação linguística porque vai aprender a falar errado, que o tal livro “ensina a falar errado”, me lembra muito a ideia de que criança também não pode ouvir nem discutir sobre homofobia porque vai virar gay. Nananinanão, escola não é lugar disso, é lugar de aprender só o que é certo, isso de contar que existe gente por aí que diz “nóis pega o peixe” e que essas pessoas, a menos que estejam falando com pescadores que também falam assim, sofrem preconceito é profundamente prejudicial — Bem, isso me parece Bolsonaro puro!


Como a grande maioria que está repetindo o que não leu e não entendeu, eu também não li o livro, mas não por acaso sei do que se trata e, santa falta de noção, ninguém pretende ensinar a falar “nóis pega o peixe”, até porque isso as pessoas já sabem!

Mas que a língua varia é fato e não adianta espernear, discursar ou mandar prender, ou alguém escreve em língua culta formal nos feicebuques e orcutes por aí? Não é preciso ser sociólogo para saber o que é um fato social e que fatos sociais têm consequências.

Daí que explicar que quem fala “nóis pega o peixe” sofre preconceito NÃO pode, logicamente, gerar uma vontade incontrolável e perniciosa de falar “nóis pega o peixe”, porque sofrer preconceito não é uma coisa legal, o que até as crianças são capazes de entender. E "sofre preconceito" significa que, se você falar ou escrever assim na frente de gente que não fala nem escreve assim, tipo aquela bonitinha que senta ali na frente ou o sujeito que vai escolher quem entra na vaga que você quer, você provavelmente vai ser tratado como lixo, ou pior. Coisa que, pela lógica, nem mesmo a criança mais burrinha vai querer.


Que não se deve esculachar ninguém por falar “nóis pega o peixe” ou por ter comportamento sexual “diferente” também me parece coisa razoável de se ensinar. Até porque, quando esculachada, a tendência da vítima é não querer mais voltar prá escola. Ou voltar e, sei lá, assassinar uma dúzia.


Mas claro que isso é só a minha opinião. De toda forma, achei interessante saber que esse país, além de uma população de médicos, advogados e técnicos de futebol, agora também tem um linguista em cada esquina. O que talvez até seja bom, porque qualquer discussão é sempre melhor do que nenhuma.


Pronto, agora já podem sair por aí dizendo que tem uma professora de português falando que os homofóbicos não sabem fazer concordância verbal. E que esse negócio de falar sobre língua com criança e professores mal pagos só pode acabar em pedofilia.