terça-feira, 3 de julho de 2012


Quem dá menos

Em tempos de antileilão --- tradutores convidados a lançar seu preço mais baixo prá concorrer a trabalhos no sistema --- trabalhei hoje às avessas: cometi a versão de um poema do Gullar.

Liquidação

May fortune free me from the market
and let me go
on making (though I don’t know)
away from the scheme
my poem
unexpected

and may I
along each day unlearn
to think the thought
and powerfully
reinvent the right from the wrong


Off price

Que a sorte me livre do mercado
e que me deixe
continuar fazendo (sem o saber)
fora de esquema
meu poema
inesperado

e que eu possa
cada vez mais desaprender
de pensar o pensado
e assim poder
reinventar o certo pelo errado

Ferreira Gullar, Em Alguma Parte Alguma
José Olympio, 2010

domingo, 25 de março de 2012

Lost in Embromation

Quem acha normal contratar um tradutor pra criar uma campanha de publicidade levanta a mão. Algo semelhante foi o que fez a Empresa Brasileira de Turismo quando contratou uma agência de publicidade pra criar seu portal de divulgação do Brasil e resolveu aproveitar a viagem contratando também a versão dele pro inglês.


Depois dos erros constrangedores apontados pelo colunista do iG Seth Kugel na versão pro inglês do portal braziltour.com, a Embratur (autarquia do Ministério do Turismo para a promoção e marketing do turismo no país) declarou que a empresa licenciada para produzir o site, a AgênciaClick, já teria sido informada dos problemas. Na Wikipédia consta que a AgênciaClick Isobar é a “maior agência de Internet do Brasil”, segundo seu presidente Pedro Cabral, que teria dito que se eles “eram a única, podiam também ser a maior”, o que comprova que como agência de tradução a AgênciaClick é uma excelente agência de publicidade. E por que outros motivos a Empresa Brasileira de Turismo a contrataria pra fazer a versão pra outros idiomas de seu portal de divulgação do Brasil?


a – porque se ela é uma agência de internet e se a tradução vai aparecer na internet...
b – porque se até o sobrinho do presidente da Embratur que fez intercâmbio em Miami poderia fazer a versão pro inglês, uma renomada agência de publicidade sem dúvida poderia também
c – porque na Embratur não tem ninguém que saiba que existem agências de tradução e localização de software e web
d – porque a premiadíssima agência participou de uma concorrência pública e venceu com o menor preço
e – porque a licitação não previa que a tradução fosse feita por uma agência de... tradução, sabe-se lá por que motivos de boa fé de quem elaborou o edital

Parece para mim que a melhor resposta é um pouco de todas as opções anteriores, o que seria resultado de uma mistura de... Nem é preciso desenvolver.

Ainda bem que a Embratur não se envolve na contratação de voos turísticos, porque senão quem viesse ao Brasil ver a Copa poderia acabar numa ilha mal-assombrada.
 

O texto do Seth está aqui: http://colunistas.ig.com.br/viagens/2012/03/15/para-ingles-entender/
Em tempo (ou não): a Lácio é uma agência on-line de tradução e localização de software bem pequena, mas é limpinha.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Soneto de fim de férias (mas já?)



o barquinho vai
a tardinha ainda não cai
a carona nem tarda nem falha
o nome do dijei é Charles
Lise dá bom dia a formiga
ideias na cabeça sem câmera na mão
meu pé é havaiano, mané da Ilha é elogio
relógio certo é caipiúva de limão

alguém me disse que ali era frio
Moçambique é doce, mas não é Mole não
a Azul chama lanche de snack
a trilha segue but I'm back


se queix, queix
se não queix, diz

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Hora da happy hour

veja a visão geral

e siga as seguintes etapas

há itens localizados em vários locais

você verá uma visualização

depois adicione um item adicional

selecione o botão de seleção

conclua o processo até completá-lo


revisar é uma repetição repetitiva

mas também uma diversão divertida

o que importa é que há um movimento móvel acontecendo



domingo, 31 de julho de 2011

Podendo complicar, por que simplificar?

“O ministro recusou-se a explicar quem pagou a estadia, mas um advogado de suas relações confirmou que patrocinou as diárias dos amigos que convidou para seu casamento” 

O parágrafo acima, publicado hoje por colunista do Globo, suscita as seguintes hipóteses:

(   ) O advogado pagou as diárias dos amigos do ministro convidados para o casamento... de quem?

(   ) O advogado pagou as diárias dos amigos do ministro com o dinheiro de outra pessoa (talvez do próprio ministro?)

(   ) O advogado patrocinou as diárias dos amigos que convidou para seu próprio casamento.

As alternativas acima, erradas as três, passaram por minha cabeça de pobre leitora diante dessa frase truncada que, claro, o contexto haveria de esclarecer. Mas a contorção não seria necessária se a redação fosse tipo assim: “O ministro recusou-se a explicar quem pagou a estadia, mas confirmou que patrocinou as diárias dos amigos que convidou para seu casamento, conforme declarou seu advogado".


 A chave do imblóglio é um segredo misterioso: só se oculta um sujeito quando ele é igual ao da oração imediatamente anterior (ou posterior). Se o sujeito oculto (que no caso é um sujeito sequestrado) não for igual ao da oração imediatamente antes ou depois, o caos se instala. E não se sabe quem patrocinou as diárias dos amigos de quem no casamento de quem, até porque a promiscuidade não é rara nas questões matrimoniais e pecuniárias.

O interessante é que quem justifica dizendo que ali “o contexto esclarece” – porque nesse país ninguém paga nada com dinheiro alheio nem faz maracutaia desse tipo – não costuma achar o mesmo no caso do "nóis pega o peixe", quando bem claro está quem pega o quê. Mas aí já são outros 500 mil, ou milhões.


Bem que o Gaspari poderia marcar umas aulinhas com Madame Natasha (as de piano talvez não sejam necessárias).

Em tempo (ou não): uma das melhores surpresas de Paraty esse ano foi ter a Heloísa Ramos, a do livro-bomba, na varandinha do café da manhã da pousada todos os dias. Numa das "entrevistas", ela contou que a famigerada estorinha do livro que supostamente pretendia ensinar as crianças a escrever "nóis pega o peixe" começou com uma matéria do ig, cujo jornalista furtou uma foto dela, colocou ao lado da de Erenice Guerra e o resto do lixo já se sabe. Que medo de jornalistas de verdade que acreditam no que leem na internet.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Onde você guarda sua língua?

Estava eu hoje no transport, coisa que não me transporta prá lugar nenhum, tentando pelo menos endurecer algumas celulites, quando um amigo veio me “contar” sobre o livro da professora que diz que não tem certo nem errado e que cada um pode falar como quiser... Ah, não, até ali?


Como se trata de assunto de linguista, sociolinguista, dialetologista, etc., quem divulgou a “notícia” poderia pelo menos ter pedido ajuda aos universitários. Fiquei pensando nos resumos das pesquisas da Nature que leio no jornal de vez em quando e senti medo do que andam dizendo que os especialistas dizem.


Dizer que criança não pode ouvir nem discutir sobre variação linguística porque vai aprender a falar errado, que o tal livro “ensina a falar errado”, me lembra muito a ideia de que criança também não pode ouvir nem discutir sobre homofobia porque vai virar gay. Nananinanão, escola não é lugar disso, é lugar de aprender só o que é certo, isso de contar que existe gente por aí que diz “nóis pega o peixe” e que essas pessoas, a menos que estejam falando com pescadores que também falam assim, sofrem preconceito é profundamente prejudicial — Bem, isso me parece Bolsonaro puro!


Como a grande maioria que está repetindo o que não leu e não entendeu, eu também não li o livro, mas não por acaso sei do que se trata e, santa falta de noção, ninguém pretende ensinar a falar “nóis pega o peixe”, até porque isso as pessoas já sabem!

Mas que a língua varia é fato e não adianta espernear, discursar ou mandar prender, ou alguém escreve em língua culta formal nos feicebuques e orcutes por aí? Não é preciso ser sociólogo para saber o que é um fato social e que fatos sociais têm consequências.

Daí que explicar que quem fala “nóis pega o peixe” sofre preconceito NÃO pode, logicamente, gerar uma vontade incontrolável e perniciosa de falar “nóis pega o peixe”, porque sofrer preconceito não é uma coisa legal, o que até as crianças são capazes de entender. E "sofre preconceito" significa que, se você falar ou escrever assim na frente de gente que não fala nem escreve assim, tipo aquela bonitinha que senta ali na frente ou o sujeito que vai escolher quem entra na vaga que você quer, você provavelmente vai ser tratado como lixo, ou pior. Coisa que, pela lógica, nem mesmo a criança mais burrinha vai querer.


Que não se deve esculachar ninguém por falar “nóis pega o peixe” ou por ter comportamento sexual “diferente” também me parece coisa razoável de se ensinar. Até porque, quando esculachada, a tendência da vítima é não querer mais voltar prá escola. Ou voltar e, sei lá, assassinar uma dúzia.


Mas claro que isso é só a minha opinião. De toda forma, achei interessante saber que esse país, além de uma população de médicos, advogados e técnicos de futebol, agora também tem um linguista em cada esquina. O que talvez até seja bom, porque qualquer discussão é sempre melhor do que nenhuma.


Pronto, agora já podem sair por aí dizendo que tem uma professora de português falando que os homofóbicos não sabem fazer concordância verbal. E que esse negócio de falar sobre língua com criança e professores mal pagos só pode acabar em pedofilia.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

O tradutor que come você

Conheço uma tradutora que, depois de um solene “I am sorry”, avisou a um cliente que disse que não aceitaria mais nenhum erro de tradução que ele tinha “unrealistic expectations” (expectativas “fora da realidade”, ou “irrealistas”, ou “irrealísticas”, o que não vem ao caso). Eu gostaria imensamente de ter visto a cara dele, porque é isso mesmo, existem erros de tradução e sempre vão existir, da mesma forma como existem erros na aviação, na pedagogia, na culinária e na construção civil, cada um com seus graus de relevância e consequências.

Mas a atividade de localização de software inventa umas categorias de erro que não se devem a distração, descuido, cansaço, pressa, nem dificuldade de interpretação do original, mas a um esforço deliberado de seguir um padrão, uma norma, que não existe na língua natural, mas só em algumas cabeças, como é o caso de comer o "você" de frases em português.

Existem muitos motivos pra alguém comer você. Um deles é a insólita proibição do uso dessa palavra por alguns clientes, que alegam que a tradução "vai ser usada em Portugal também", como se a única diferença entre as duas línguas fosse o você... 

Tem ainda os clientes que recomendam "evitar" o uso de você, devendo o tradutor usar essa palavra maldita só em última instância. Como se não bastasse, existe a lembrança dos conselhos de professores que condenavam  à forca quem repetisse palavras desnecessariamente. Se somarmos a isso a recomendação estilística de eliminação do sujeito (que ficaria elíptico) quando ele está implícito ou se repete em orações contíguas, está pronto o cenário para um tradutor comer você.

Na frase a seguir, por exemplo, lemos "fizer alterações enquanto (o mesmo alguém) estiver off-line", certo?

"Se alguém fizer alterações em seu documento enquanto estiver off-line, você poderá sincronizar essas alterações quando se conectar novamente."

Só que ali você foi comido, porque o original diz:

"If anyone makes changes to your document while *YOU’re* offline, you can sync those changes once you come back online."

Ou seja, se alguém alterar algo enquanto “VOCÊ estiver off-line”, mas a proximidade do outro você fez com que o tradutor simplesmente comesse o sujeito relevante ali. Não, não é distração, todo dia alguém come você como não come nenhuma outra palavra.

Claro que ninguém vai morrer carbonizado, nem traumatizado, nem envenenado, nem soterrado por causa dessa informação equivocada, só vai ter um pouco mais de dificuldade em saber como funciona o produto, xingar o fabricante, o engenheiro ou, sei lá, de repente ninguém nem vai notar, só o revisor, que alguém comeu você.